segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Nadie sabe para quien trabaja

[…] E o Alberto, o que sempre pegava as garotas mais lindas na roda de samba, aquele que era a inveja na pista de forró, o que tinha os braços grandes, os lábios carnudos e a cabeça careca; ele mesmo foi que, numa quinta-feira, bêbado, pegou a cadeira da Dolores, sem saber que era dela, e levou-a para casa num ato de rebeldia de adolescência tardia, deixando a coitada sozinha, incômoda e triste.

Dias depois, o artista roubou a cadeira de casa sem aviso prévio, levando-a para o museu, deixando a Dolores sem ilusões, o Alberto sem façanhas e a mim sem lembranças.

O único que ficou foi a marca da Dolores nas patas dianteiras da cadeira, lembrada por todos os que passavam pela rua onde ela dormia. As marcas foram deixadas quando ela conseguia comer qualquer coisa que lhe davam, quando ela era mais ela, com os pés encostados nas patas, a tensão, o medo e o instinto à flor da pele, pois só quando ela comia conseguia estar nesse nosso mundo “real”, cheio de fome, iniquidade e pobreza; o mundo do qual ela sempre quis fugir, mas a vontade de comer, de saciar sua necessidade mais básica, obrigava-a voltar à realidade, a se sentar na cadeira, como sua única conexão com os outros humanos que deambulavam pela cidade.

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