[…] E o Alberto, o que sempre pegava as garotas mais lindas
na roda de samba, aquele que era a inveja na pista de forró, o que tinha os braços grandes, os lábios carnudos e a cabeça careca; ele mesmo foi
que, numa quinta-feira, bêbado, pegou a cadeira da Dolores, sem saber que era
dela, e levou-a para casa num ato de rebeldia de adolescência tardia, deixando
a coitada sozinha, incômoda e triste.
Dias depois, o artista roubou a cadeira de casa sem
aviso prévio, levando-a para o museu, deixando a Dolores sem ilusões, o Alberto
sem façanhas e a mim sem lembranças.
O único que ficou foi a marca da Dolores nas patas
dianteiras da cadeira, lembrada por todos os que passavam pela rua onde ela dormia.
As marcas foram deixadas quando ela conseguia comer qualquer coisa que lhe
davam, quando ela era mais ela, com os pés encostados nas patas, a tensão, o
medo e o instinto à flor da pele, pois só quando ela comia conseguia estar
nesse nosso mundo “real”, cheio de fome, iniquidade e pobreza; o mundo do qual
ela sempre quis fugir, mas a vontade de comer, de saciar sua necessidade mais
básica, obrigava-a voltar à realidade, a se sentar na cadeira, como sua única
conexão com os outros humanos que deambulavam pela cidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário